sábado, 15 de janeiro de 2011

CRÔNICAS DA WAL

Invisível
Maria Waldete de Oliveira Cestari



Ele era um homem comum que levava uma vida normal: trabalhava num escritório, era casado com filhos. Um dia, ele chegou ao trabalho e todos seus colegas estavam ocupadíssimos em suas tarefas. Ele os cumprimentou, mas ninguém respondeu. Ele estranhou. Chegou a sua mesa, se sentou, abriu a gaveta, retirou uns papéis e começou a trabalhar. Normalmente como fazia há mais de vinte anos. Um colega passou por ele para ir tomar café e simplesmente o ignorou. Depois, foi a vizinha de mesa e mais tarde, a moça da faxina. Mil perguntas começaram a passar por sua cabeça e ele resolveu ir ao banheiro para lavar o rosto, se certificar de que estava acordado e aquilo não era um sonho. Ao olhar para o espelho em cima da pia, não viu nada. Levou um susto e pensou que aquilo fosse uma brincadeira, talvez montada pelos amigos, que fingiam não o ver. Olhou de novo e nada viu. Não é possível! Foi até o toalheiro de inox, olhou fixamente para ele procurando sua imagem, mas nada. Começou a se desesperar. Abriu a porta, quase trombou com uma amiga, que não lhe deu confiança. Atônito, foi até o lavabo e não conseguiu se enxergar no espelho. O homem tinha se tornado invisível.
Saiu correndo dali e foi para sua casa. Entrou e passou por sua mulher, que estava grudada na televisão, acompanhando o programa da manhã. O som estava alto, a atenção toda voltada para a apresentadora e por isso, pensou ele, ela não o viu. Andou até o quarto do filho, que com fones de ouvido, conversava com amigos pelo MSN. Deve ser por isso que ele não o enxergou, pensou o homem. Foi até a cozinha e a empregada mexia na panela de pressão e ouvia no rádio o programa matinal. Estava atenta ao noticiário e por isso, nem viu o patrão que ali estava. Assim ele pensou.
O homem foi para seu quarto, se sentou na cama e começou a refletir. Já fazia tempo que notava que as pessoas não o enxergavam. Na empresa as suas opiniões eram ignoradas; os mais novos sempre tinham idéias melhores; nos bate-papos no café, todos só falavam internetês, menos ele; suas roupas não eram as “da hora”, pois se vestia classicamente, como achava que era o correto para sua função; não parava para bater papos e estava sempre cumprindo suas obrigações. Tudo isso e outras coisas foram tornando-o invisível no trabalho.
Foi se lembrando também que pouco a pouco havia se tornado invisível em casa. Quase todo dia quando chegava para almoçar, a mulher estava pendurada no telefone com a amiga e não era muito raro ela se sentar à mesa e continuar a conversa, comendo ao mesmo tempo; o filho engolia a comida, embalado pela música dos fones de ouvido; a filha fazia o prato e corria para frente da TV; o outro filho beliscava alguma coisa enquanto enviava torpedos para a namorada. Fazia muito tempo que a mulher não lhe dava um carinhoso beijo de boa noite, não enxergava que ele tinha raspado o bigode, não sentia o seu perfume, não comentava sobre sua camisa nova, não elogiava suas aquarelas, não ria de suas piadas, não achava graça em suas graças. O homem era tratado como se não existisse; afinal, quem enxerga um homem invisível? Ou uma mulher invisível? Ou um filho invisível? Ou um subalterno invisível?
Este texto não é um conto, nem ficção científica. Há muitos seres humanos invisíveis e todo mundo se sente assim em determinadas situações e ocasiões. Algumas, passageiras e outras, nem tanto. Por exemplo: no emprego, quando é deixado de lado por não concordar ou pactuar com atitudes e ações; na sociedade, quando fica à margem por exercer uma função considerada degradante, ou por causa de sua raça, cor, religião e opção sexual; na família, quando seus integrantes já não falam a mesma língua ou deixaram outros sentimentos que não o amor, a tolerância, a compreensão e o respeito tomarem conta de suas relações.
E você, leitor, nunca se sentiu invisível? Ou atualmente é invisível para alguém? Em caso afirmativo, recorte este texto e o coloque num lugarzinho bem escolhido, de modo que tenha certeza de que quem o torna invisível irá lê-lo. Quem sabe você se torne visível novamente.
Uma frase interessante encontrada na internet: “Homem invisível procura mulher transparente para fazer coisas nunca vistas."

cestari.jau@uol.com.br



Um comentário:

  1. Quem nunca foi invisível em casa, na rua, no trabalho, na sociedade, que atire a primeira pedra. hehehe

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