segunda-feira, 16 de agosto de 2010

Sabores e cheiros


Por Maria Waldete de Oliveira Cestari

Há sabores e cheiros que marcam nossas vidas e nos fazem relembrar momentos pelos quais passamos, num tempo em que a vida era bem mais simples.
Muitas famílias tinham em suas casas um pomar repleto de árvores frutíferas. Quem não se lembra do cheiro das flores da jabuticabeira quando desabrochavam; do gosto das jabuticabas apanhadas no pé; das suculentas goiabas vermelhas colhidas depois de se escalar o pé para se alcançar a mais bonita; do sabor das laranjas baianas e pêras descascadas e degustadas à sombra das laranjeiras; das frutas do conde madurinhas, saboreadas devagar, até aparecerem as sementes lisinhas e pretas; do gosto das deliciosas mangas-espada, burbom, rosa.
Quem não se recorda do perfume do jambo, do gosto da pitanga, da amora, do delicioso abiu, uma fruta que quase não se encontra mais. Em muitos quintais havia ainda plantas que serviam como remédio: erva-cidreira, erva-doce, boldo, hortelã, quebra-pedra Os cheiros agradáveis e característicos dos chás feitos com elas já anunciavam o problema a ser tratado. Se era chá de boldo, alguém estava com problemas estomacais.
Hoje ao comer doces de pêssego ou figo industrializados, vem à mente o sabor daqueles feitos em casa, cheios de calda dourada perfumada com cravos-da-índia. E o licores? De folha de figo, de jabuticaba. Era muito comum se ter em cima de um móvel ou mesinha da sala, uma bandeja de prata, coberta com uma toalhinha de linho com biquinhos de crochê de linha merce, e em cima cálices de licor e licoreiras bojudas, compridas, jateadas, lapidadas, cheias de licores coloridos feitos em casa. Era costume se oferecer às visitas um cálice de licor e biscoitinhos de nata, de araruta, sequilhos ou mantecaus, que ficavam em vidros fechados e eram a tentação da criançada, desde quando estavam assando no forno, atiçando com seu cheiro, todas as vontades.
Os sabores e os aromas do almoço do domingo deixaram saudades. Era dia de macarronada, com um perfumado molho de tomate e manjericão; frango cheio com farofa e batatas coradas, cujo cheiro ao serem assados, se espalhava por toda a vizinhança. De sobremesa, doces em calda ou pudim, que quanto mais buraquinhos tivesse, melhor. Era o sagrado e único momento de se tomar guaraná ou sodinha, porque refrigerante, só uma vez por semana. Que delícia era sentir suas borbulhas descendo pela garganta! E os almoços de Natal, com seus assados, que desde bem de manhãzinha invadiam as casas; eram leitoas, cabritos, frangos, muitos deles criados no quintal. A gente costumava dizer: Ai, que cheiro de fome !
Quando as férias chegavam, as casas eram invadidas por outros cheiros e sabores. As crianças brincavam no quintal ou na rua, despendiam muita energia, queimavam calorias e no meio da tarde estavam com fome; era servido o lanche da tarde. Logo depois do almoço, alguém se dispunha a “bater” um bolo para a gurizada. Ou bolo piquenique, ou de laranja, ou formigueiro, ou rocambole de doce de leite ou geléia de goiaba. Para beber, nada de refrigerantes; apenas refresco de limão galego, ou de laranja, ou suco de groselha. Para os adultos, um café “passado” na hora, no coador de pano. Ao delicioso aroma do café se misturava um outro inconfundível: o das pipocas saltitando na panela.
Se no fundo das casas ficavam os pomares, na frente havia os jardins, cultivados por alguém da família que tinha “mão boa para plantar”. Em muitos havia um pé de manacá, com flores delicadas; rosas “príncipe-negro”, lírios, palmas de Santa Rita, copos-de-leite, bocas-de-leão, margaridas, dálias, cujos perfumes atraíam borboletas coloridas, abelhas e pequenos insetos.
O tempo passou; tudo mudou. Alguns desses sabores e cheiros já não freqüentam nossas vidas, mas estão guardados na memória, junto com todas as lembranças.

Dedico este texto para minha leitora Antonieta Feltrin Marson, de 96 anos de idade.
cestari.jau@uol.com.br


2 comentários:

  1. Ah, o saudosismo... morei em sítio na minha infância... até hoje não me acostumo 100% com São Paulo.

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  2. A melhor comida é aquela que conforta a alma!

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